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Horsemanship e Desenvolvimento Humano

Ricardo Bacellar Wuerkert

29 de out. de 2022

Nunca pensei que “andar a cavalo” teria alguma coisa a ver com desenvolvimento humano! Andar a cavalo? Será que é isso? Não seria montar a cavalo? Então estamos falando de equitação, certo? E o que é “horsemanship”?

Essas ideias tem dois sujeitos: o Cavalo e o Humano Vou dar uma pista: Ao longo deste texto, sugiro pensar nas habilidades humanas de relacionamento interpessoal e na ideia de inteligência emocional. Questões ligadas às emoções e ao comportamento. Já ouviu falar em competências sócio-emocionais? E nas expressões “soft skills”, “personal skills”, “interpersonal skills” ou “human skills”? Esses conceitos estão em foco atualmente, especialmente entre profissionais da área de Recursos Humanos, e tem a ver com nosso tema neste texto. E o quê Cavalo e Humano fazem juntos nessa estória? Bem, essa é uma longa estória, tem cerca de 5 mil anos, desde que o cavalo era alimento para os humanos, caracterizando uma típica relação predador e presa. Ao longo do tempo, essa relação foi evoluindo para trabalho, transporte, guerra, arte, esporte e lazer. Mas o quê essa relação tem a ver com desenvolvimento humano? Quando um humano e um cavalo atuam juntos para desempenhar alguma função, temos um relacionamento funcionando. Relacionamentos dependem de alguma forma de comunicação. Por sua vez, para que haja comunicação, é preciso que exista uma linguagem que as partes envolvidas entendam. Se pensarmos por um momento no que acabamos de ler - linguagem, comunicação, relacionamento e desempenho - logo começam a surgir possibilidades que podem ter a ver com desenvolvimento humano. Vamos começar pela comunicação, que traz junto a necessidade de uma linguagem. Desde bem jovem, por diversas vezes penso que a comunicação está na origem de grande parte dos problemas que nós, humanos, enfrentamos. Da mesma maneira, a comunicação costuma ser a solução para esses problemas, afinal, como diz o velho ditado, “é conversando que a gente se entende”! Comunicação é a troca de mensagens entre dois ou mais seres, onde um emite e o outro recebe, podendo alternar esses papéis entre si. Mensagens são formuladas usando alguma linguagem. Sendo assim, quando queremos nos comunicar com cavalos, devemos considerar que somos seres de duas espécies diferentes, que não falam a mesma língua, portanto precisamos desenvolver uma linguagem para “falar” com eles. Além disso, precisamos também desenvolver a capacidade de receber as mensagens que eles irão nos enviar de volta. Será que essa capacidade de receber mensagens tem a ver com escuta ativa? A necessidade de estabelecer uma linguagem para nos comunicar com os cavalos nos leva a estudar essa espécie, procurando saber como eles se comunicam entre si.


Cavalos – conhecimentos básicos sobre a espécie equina


A literatura nos ensina muito a respeito da espécie equina, já que humanos e cavalos interagem há tanto tempo, realizando diversas funções juntos. Sabemos que os cavalos vivem em grupos organizados, com hierarquia e regras de convivência. Nessa hierarquia existem dois papéis principais desempenhados por alguns indivíduos: dominância e liderança. Os demais são seguidores. Geralmente o papel de liderança é desempenhado por uma fêmea experiente. Ela lidera pela conexão mental com os membros do grupo, usando sua sabedoria para introduzir as ideias que os demais deverão seguir. Por outro lado, o papel de dominância é exercido por um garanhão, o que o habilita à prioridade para os acasalamentos. Suas funções principais são a proteção do grupo e a continuidade da espécie. Além disso, o indivíduo dominante dá suporte à líder, garantindo que os demais sigam o que foi definido por ela. Sua comunicação se dá através de linguagem corporal e, quando necessário, da atuação física. Os seguidores são os membros passivos dentro do grupo, que seguem o que foi determinado pela liderança. O dominante também segue a líder. Há diferentes níveis de liderança e dominância na hierarquia, como se fosse um tipo de ranking dinâmico, onde as posições podem variar de acordo com as circunstâncias, com o que o grupo está fazendo e com o decorrer do tempo, quando novos indivíduos podem assumir posições mais altas na hierarquia. Aqui cabe uma pausa para considerarmos um possível insight, pensando sobre os papéis de alguns indivíduos nos grupos equinos: que tal refletirmos sobre o conceito de liderança situacional? Falaremos disso mais adiante. Retomando a descrição da dinâmica dos grupos de equinos, observamos que seus objetivos são simples: segurança e perpetuação. Para isso, precisam evitar situações de risco, ter sempre possibilidade de fuga, buscar fontes de alimento e água e garantir que os indivíduos mais aptos reproduzam seus genes. Cavalos tem sentidos muito aguçados, o que é fundamental para perceber ameaças à sua vida. A principal habilidade necessária para evitar uma fatalidade por ataque de um predador é a velocidade de fuga. Cavalos dificilmente atacam, a menos que precisem se defender. Por isso são claustrofóbicos, pois um espaço apertado pode comprometer sua possibilidade de fuga e de defesa. Outras habilidades importantes são a de aprender, a memória e a de se habituar com estímulos e situações que não representam risco. Isso os ajuda a poupar energia, do contrário passariam a maior parte do tempo correndo e morreriam de fome e de cansaço. Além dessas prioridades ligadas à sua sobrevivência, cavalos gostam de paz, conforto e diversão. Podemos observar como alguns ficam de guarda enquanto outros descansam, jovens desenvolvem suas habilidades brincando uns com outros, e parceiros trocam serviços se coçando mutuamente. Aprofundando o estudo da espécie equina, aprendemos que cavalos não são todos iguais!


Perfis comportamentais dos Cavalos


A renomada treinadora Linda Parelli desenvolveu um modelo conceitual para entender as diferenças entre os cavalos e suas implicações na maneira de treiná-los, classificando a personalidade dos cavalos de acordo com duas variáveis: Eles podem ser extrovertidos ou introvertidos e também podem ter um dos lados do cérebro prevalecendo sobre seu comportamento. O lado direito, relacionado ao pensamento ou o lado esquerdo, relacionado à ação física. De acordo com essas características individuais, os cavalos podem ter aptidões diferentes para as funções que realizamos com eles. O treinador mais experiente saberá trabalhar com cada indivíduo da melhor maneira para obter o melhor desempenho. Yvonne Barteau, outra treinadora com grande experiência, trabalhando em diferentes modalidades equestres, inclusive apresentações artísticas, definiu quatro perfis básicos em função dos comportamentos mais frequentes dos cavalos. Segundo ela, alguns cavalos podem ser mais sociáveis, outros indiferentes, alguns são desafiadores e outros mais medrosos. Essas características podem se manifestar com intensidades variáveis, desde uma maneira bem evidente até mais discreta, além de poderem se combinar, ou seja, um cavalo pode ser muito sociável e um pouco desafiador, ou medianamente indiferente e medroso, por exemplo. O estudo do cavalo nos ajuda muito a entender melhor o que a nossa convivência com eles, ao longo de tantos anos, foi capaz de produzir em termos práticos: Uma relação entre duas espécies animais distintas, uma herbívora e outra onívora, uma presa e outra predadora, capazes de atuar juntas, cada uma contribuindo com suas habilidades próprias, sejam físicas, mentais ou emocionais, transformando uma situação inicial de caça e caçador em uma cooperação eficiente, com enorme potencial para desempenhar grande variedade de funções. Com esse conhecimento básico da espécie equina, somado a esse brevíssimo histórico da relação entre humanos e cavalos, podemos começar a falar de “horsemanship”, avançando no sentido de identificar as possíveis correlações entre esse conceito e o desenvolvimento humano.


Horsemanship


Uma tradução direta e simplista da palavra horsemanship seria relacionamento entre cavalos e humanos. Como vimos, essa relação existe a alguns milênios, portanto horsemanship não é nenhuma novidade ou modismo. A primeira obra escrita sobre equitação data de cerca de 400 anos antes de Cristo, de autoria do grego Xenofonte. Horsemanship também não define, nem qualifica, o tipo de relacionamento entre humanos e cavalos. Ele pode ser bom ou ruim. O conceito de horsemanship que nos interessa, para o propósito de desenvolvimento humano, é baseado em ideias de compreensão das emoções, conexão mental, honestidade das intenções, comunicação gentil, suavidade física e construção de parceira. Esse conceito tem sido mais difundido nos tempos modernos, a menos que 100 anos, desde que pessoas como os irmãos Tom e Bill Dorrance, Ray Hunt, Pat Parelli e outros seguidores da abordagem gentil iniciaram o que foi descrito como “A revolução no Horsemanship” pelos autores Robert Miller e Rick Lamb, ambos profissionais dedicados aos cavalos. Antes de apresentar os princípios desse horsemanship que nos interessa, quero recuperar algumas ideias que já vimos até aqui. Vimos que o relacionamento entre humanos e cavalos é baseado em comunicação. O resultado desse relacionamento se reflete no desempenho de funções. Vimos que grupos de cavalos (manadas) são organizados, possuem hierarquias, regras de convivência, diferentes indivíduos exercem diferentes papéis, cooperam entre si, resolvem conflitos, buscam harmonia e tem propósitos em comum: segurança, paz, autopreservação e perpetuação da manada. Tudo isso que ocorre na dinâmica de um grupo de cavalos é baseado em comunicação sutil, onde as intenções e a linguagem corporal são suficientes para transmitir claramente as mensagens. Outras capacidades vitais para os cavalos são as de percepção sensorial, aprendizado, memória e habituação.Muito bem, estamos prontos para apresentar os princípios para um bom horsemanship, baseado em respeito, cooperação e parceria. Comecemos pelos promovidos por Tom Dorrance: Observe, lembre, compare Torne as coisas erradas difíceis e as coisas certas fáceis Trabalhe para que sua ideia se torne a ideia do cavalo Seja o mais gentil possível e tão firme quanto necessário Quanto mais calmo você estiver ao fazer um trabalho, mais rápido alcançará seus objetivos Sinta o que o cavalo está sentindo e trabalhe considerando o ponto de vista dele Procure fazer menos para receber mais Use o tempo que for necessário O cavalo tem instinto de autopreservação de seu corpo, sua mente e seu espírito O cavalo nunca está errado Tom Dorrance sintetizou as habilidades necessárias para a melhor aplicação prática desses princípios com uma expressão que soa como um mantra.


“Feel, Timing and Balance”


Essa expressão oferece um campo riquíssimo para reflexão sobre nossas habilidades de relacionamento! “Feel” significa a sensibilidade para perceber além das palavras, para compreender uma situação de forma mais abrangente. “Timing” é a capacidade de julgar o momento justo para agir. “Balance” representa o equilíbrio, a intensidade necessária e suficiente para que sua ação seja efetiva e construtiva. Outra referência importante para a prática de um bom “horsemanship” é Pat Parelli. Em seu livro “Natural Horsemanship”, Parelli relaciona seis habilidades necessárias para o humano: Atitude Conhecimento Ferramentas Técnicas Tempo Imaginação Recentemente, Parelli acrescentou uma sétima condição, o “suporte”, no sentido do que tratamos como “coaching” no âmbito profissional. Vale destacar a descrição dada para atitude: positiva, progressiva (aberta à novas ideias) e que acredita no ponto de vista do Cavalo. Dentre os princípios que norteiam o relacionamento entre humanos e cavalos e que contribuem para o desenvolvimento humano, gostaria de acrescentar mais um, também atribuído à Tom Dorrance ou a seu brilhante aluno e amigo, Ray Hunt:


“Adjust to fit the situation”


Seria algo como ajuste-se em função do contexto, em tradução livre, o que nos traz de volta a ideia de liderança situacional. Como podemos concluir, o desenvolvimento humano é um processo que se dá ao longo da vida, através da atenção sobre si, da busca pelo autoconhecimento e da prática contínua de atividades que nos proporcionem o aperfeiçoamento das habilidades necessárias para que nossos relacionamentos sejam mais construtivos, harmoniosos e permitam realizar o melhor de nosso incrível potencial! As atividades com cavalos podem oferecer uma jornada riquíssima para seu desenvolvimento pessoal!

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